Se há dois polos, que às vezes se recusam a estabelecer diálogos produtivos, que possam gestar denominadores comuns, o que há de se fazer? A saída mais adequada é reduzir danos.
A questão incontornável dos loteamentos urbanos
Discutamos, a seguir — e sem fulanizar o debate e sem “criminalizar” a ação de empreendedores —, a questão dos loteamentos urbanos. Há, de fato, loteamentos que são verdadeiras armadilhas para as pessoas pobres. Como querem ter um imóvel próprio — é o principal sonho de todos os brasileiros adultos —, os pobres compram lotes, com prestações a perder de vista, em bairros (se se podem chamar de bairros, do ponto de vista externo, de quem os analisa; do interno, de quem mora neles, são mesmo bairros, com ou sem problemas de certa magnitude) distantes de vários serviços essenciais, como hospitais, escolas de qualidade e de locais que prestam outros serviços de utilidade pública. O resultado é que a vida dos pobres fica ainda mais difícil.
Vários bairros não têm pavimentação decente — há empreendedores que colocam um asfalto meia-boca contando que, adiante, a prefeitura, sob pressão dos moradores (que são eleitores), fará um mais consistente —, às vezes não tem nem água tratada (nem se fala de esgoto sanitário, que deveria ser um imperativo), além de escolas e postos de saúde. Há uma determinação pública de que a estrutura mínima tem de ser disposta quando os lotes são comercializados. No papel, é bonito, mas a realidade não é bem assim.
Entretanto, no lugar de fazer discurso bonito e populista e de imprecar contra empresários supostamente “sem” visão social, é preciso pensar numa questão: por que os vereadores — assim como o prefeito —não pensam num Plano Diretor Social? Parece, mas não é irrealista.
É preciso estabelecer que os lotes só poderão ser vendidos com toda a infraestrutura implantada.
Mas infraestrutura tem de ser vista de maneira mais ampla, pois não é apenas a criação de ruas, a pavimentação asfáltica e a colocação de postes de energia elétrica. A instalação de postos de saúde (Upas) decentes — que podem servir a bairros conurbados —, distritos policiais, escolas públicas bem estruturadas, praças de verdade, centros de esporte e lazer (que permitam o desenvolvimento de uma vida efetivamente comunitária) é crucial. A cereja do bolo deve ser a preservação ou a criação de áreas verdes (se os empresários arrancaram várias árvores, para o arruamento e a criação dos lotes, têm de substitui-las, quiçá dobrando a sua quantidade). Não se pode esquecer de se pensar na criação de linhas de ônibus e, obviamente, da colocação de água tratada (sem que falte com frequência).
Hoje, alguns bairros se tornaram bolsões de pobreza, com as pessoas isoladas e com dificuldade de locomoção. Um Plano Diretor Social terá como objetivo a inclusão efetiva das pessoas. Hoje, a inclusão é praticamente uma fantasia.
Como se sabe, para transformar uma área rural em urbana, os donos de loteamentos — aqueles que compram as fazendas — têm de pagar para a prefeitura. Neste momento, se houver um Plano Diretor Social, pode-se fazer uma negociação. A prefeitura pode ganhar menos, o que possibilitará que os empresários gastem mais em infraestrutura, de caráter inclusivo, sem que, necessariamente, tenham grandes perdas de lucratividade.
Aqueles que defendem uma sociedade sustentável, com preservação do meio ambiente, precisam entender que os loteamentos vão continuar existindo. Simplesmente porque há uma altíssima demanda por lotes e casas. Se há procura, e imensa, certamente que haverá oferta. Portanto, a expansão imobiliária, se não é inteiramente controlável — porque o mercado atropela os bem-intencionados, criando uma dinâmica própria, quase uma realidade paralela —, pode ser minimamente orientada. Vereadores qualificados — sim, há vários — podem e devem pensar no que se está dizendo neste Editorial, que, como o leitor está percebendo, é tão realista quanto os homens e mulheres do mercado. O que se está sugerindo é que, no lugar de tão-somente combater os empresários que vendem — e vão continuar vendendo — lotes, adote-se o bom senso, ou seja, a redução de danos. Que tais empresários, tendo de cumprir regras estabelecidas pela Câmara Municipal e pela Prefeitura de Goiânia, contribuam para construir uma cidade melhor, mais confortável para todos. Entretanto, se ideias irreais forem aprovadas, longe de serem cumpridas, serão imediata e amplamente burladas e, mesmo, questionadas judicialmente, em demandas de longo prazo e, quase sempre, improdutivas.
Alguns donos de loteamentos são políticos (deputados, ex-deputados, prefeitos, ex-prefeitos, vereadores e ex-vereadores) — com carteiras mensais fabulosas (na casa, às vezes, dos milhões de reais) — e, como tais, precisam ter uma visão (mais) social do desenvolvimento urbano. Consta que têm lobistas na Câmara Municipal cujos projetos são elaborados supostamente por figuras estelares do setor imobiliário. Pode ser verdade, ou então exagero. Mas os empresários, com ou sem lobistas, acabarão por ganhar mais — incluindo clientes das classes médias — se organizarem bairros com melhor qualidade de vida.
Outra discussão possível sobre o Plano Diretor envolve a possibilidade de Goiânia ter um distrito industrial, assim como Aparecida de Goiânia, Senador Canedo e Trindade. Na verdade, há distritos industriais modernos e não poluentes, ou escassamente poluentes, que podem ser criados em cidades como a capital goiana. Mas esta é outra discussão, que não será encetada aqui.
Os condomínios horizontais e a questão do tráfego
Nos Estados Unidos, país em que há forte imbricamento entre os setores bancário e imobiliário — modelo copiado, cada vez mais por outros países —, operou-se, a partir de determinada época, uma massiva mudança dos ricos e das classes médias (com alto poder aquisitivo e possibilidade de crédito financeiro) para os subúrbios. No caso, não tem a ver com a ideia brasileira de subúrbios, como lugar de pobres. No país do arquiteto Frank Lloyd Wright, os ricos moram nos subúrbios, em casas grandes e projetadas com esmero.
Aos poucos, e de maneira acelerada, está ocorrendo o mesmo processo no Brasil, inclusive em Goiânia e cidades adjacentes, como Anápolis e Senador Canedo. Os ricos e as classes médias estão se mudando para condomínios horizontais — verdadeiras cidades cercadas por muros altos e eletrificados —, como Aldeia do Vale, Alphaville, Jardins e Portal do Sol. Busca-se, com a nova tendência, conforto e segurança (as residências são protegidas por vigilantes privados).
Há fatores positivos em alguns dos condomínios, com a ampliação da área verde e, por vezes, a preservação, sem poluição, dos cursos d’água, além da coleta seletiva do lixo. Alguns deles chegam a ser modelares. O custo de manutenção dos espaços fica por conta dos condôminos, inclusive a pavimentação asfáltica e a estrutura elétrica básica. O fato de terem vigilância particular, sob responsabilidade de empresas, também libera o efetivo da Polícia Militar para a proteção de outros bairros.
Há, porém, um problema que não é discutido, ou é pouco debatido. Os condomínios são cidades-cercadas — lembrando as cidades-Estado da Idade Média. As grandes áreas fechadas — além de reduzir o contato entre as classes sociais (o que pode gerar a formação de castas às vezes, de tão isoladas, alheias às dores e clamores dos não abastados), isolando, ainda mais, os abastados e parte da classe média — tendem, a longo prazo, a prejudicar o trânsito das grandes cidades, não apenas de Goiânia. À medida que a população cresce — Goiânia e suas cercanias (Aparecida, Senador Canedo, Trindade, entre outros municípios) têm mais de 2 milhões de habitantes —, o trânsito avoluma-se, dificultando a vida de motoristas e pedestres. Com menos espaços para a construção de novas ruas — as existentes vão sendo “espremidas” pelos condomínios —, o tráfego tende a ficar mais lento e, daí, caótico.
O que fazer? Acabar com os condomínios é impossível (seria uma irracionalidade), pois se trata de uma tendência incontornável — a demanda é da sociedade, e não do Estado. O que se deve, como no caso do Plano Diretor, é reduzir possíveis “danos”. Ou seja, é preciso convocar arquitetos, engenheiros, sociólogos, antropólogos, especialistas em mobilidade para discutir a questão, de maneira abrangente e sem preconceito, com aqueles que têm posses e querem viver bem e com prefeituras e câmaras municipais.